segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

GASOLINA É VENDIDA A R$ 0,20 E PROVOCA FARRA NA FRONTEIRA BRASILEIRA.


O transporte clandestino da gasolina barata da Venezuela para o Brasil, pela fronteira com Roraima, criou no extremo norte do Brasil uma imensa área sem postos de combustíveis. 
Ao longo dos 230 quilômetros da estrada entre a capital Boa Vista e Pacaraima, última cidade do Estado antes do território venezuelano, não há um só posto. Também não há revendedores oficiais de combustíveis em nenhum outro ponto em trechos a pelo menos 200 quilômetros da fronteira.

A razão desse vazio é porque, com um máximo de R$ 25, o brasileiro enche o tanque de um carro de passeio logo ao entrar na Venezuela, sem precisar passar pela aduana de lá. País produtor de petróleo, a Venezuela vende o litro da gasolina a preços que variam de R$ 0,20 a R$ 0,50. Em Boa Vista, a capital de Roraima, o litro da gasolina custa R$ 2,90. O tanque cheio, dependendo da marca do carro, pode valer até R$ 180.

A enorme disparidade de valores fez surgir em Roraima um mercado negro de venda de gasolina que causa prejuízos mensais de pelo menos R$ 5,8 milhões ao empresariado do setor, de acordo com avaliação do Sindicato dos Postos de Combustíveis de Roraima (Sindipostos-RR).

Traficantes de combustíveis vão à Venezuela, enchem o tanque, descarregam a carga do lado brasileiro em galões, retornam ao país vizinho e abastecem novamente. Repetem a operação dezenas de vezes ao longo do dia. À noite e de madrugada, a fim de fugir de um eventual patrulhamento, voltam à capital roraimense para abastecer depósitos ilegais, onde o litro é vendido por R$ 2.

A soma dos prejuízos aos cofres estadual e federal decorrentes da sonegação de tributos obrigatórios alcança R$ 1,68 milhão por mês, especialmente quanto ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS), ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

O presidente do Sindipostos-RR, Abel Mesquita Júnior, avalia que os postos de Roraima deixam de vender, por causa da concorrência da gasolina venezuelana, algo entre 1,8 milhão e 2 milhões de litros mensais de combustíveis. E não só gasolina, mas também óleo diesel.

"Acontece em Roraima um quadro inédito no País. Aumenta a frota de carros e diminui a venda de combustível. Todos os postos do interior, ao norte da capital, fecharam. Vendemos de 7 milhões a 8 milhões de litros por mês. Esse número poderia ser 25% maior, não fosse a evasão", diz o sindicalista.

Pouca fiscalização. O efetivo pequeno da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Estado de Roraima torna a situação de difícil resolução a curto prazo. Há 48 servidores na PRF local, dos quais 20 dedicados a atividades administrativas.

Os demais são divididos em equipes de plantão diário, incumbidas de patrulhar vastas áreas desertas cortadas por seis rodovias federais e dezenas de vicinais. A fronteira de Roraima com Venezuela e Guiana se estende por 1,9 mil quilômetros.

Há dias em que a equipe é formada por apenas dois patrulheiros, por causa da falta de pessoal. E há dias em que as equipes, pela precariedade do efetivo, nem vão para a estrada.

Mesmo assim, as apreensões da PRF têm crescido em Roraima. Em 2011, foram recolhidos 13.890 litros de combustível no trecho da BR-174 entre Boa Vista e a fronteira com a Venezuela. Este ano, até o início de dezembro, a soma das apreensões de gasolina já alcança os 23.568 litros.

Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alísio Vaz, a situação de Roraima "é tão absurda que fica difícil tentar enquadrar os formiguinhas (os traficantes que circulam de um lado para o outro da fronteira)".

"Roraima é como se fosse uma área fora do mapa do comércio nacional de combustíveis. O preço da gasolina na Venezuela é irreal, talvez seja o mais barato do mundo. Já procuramos as autoridades brasileiras, mas nada de efetivo aconteceu. Fizemos nosso papel. Esse quadro inviabiliza o comércio legal", afirma Vaz.

Caroteiros e tanqueiros. Há dois tipos de contrabandistas de combustíveis em Roraima. Os chamados caroteiros trazem a gasolina em recipientes plásticos de até 60 litros, galões conhecidos na região como carotes. Costumam usar carros de passeio e caminhonetes para transportar a maior quantidade possível de carotes. Chegam a tirar todos os bancos do veículo a fim de trazer o máximo possível de gasolina.

Os carros usados pelos caroteiros são, geralmente, de marcas antigas, velozes e espaçosos, como Santana e Monza, por exemplo. Têm vidros negros, para impedir a visualização da carga. Os caroteiros preferem não entrar com os recipientes na Venezuela. Optam por deixá-los em esconderijos na Reserva Indígena São Marcos, atravessada pela BR-174 e próxima à fronteira. Daí a necessidade de ir e voltar à Venezuela até ter gasolina suficiente para encher todos os carotes disponíveis.

Já os taqueiros, segundo tipo de contrabandistas, acondicionam a gasolina em tanques adicionais de caminhões e carros maiores adaptados. Como os caroteiros, retiram os bancos dos veículos, especialmente os traseiros, a fim de abrir espaço para os tanques adicionais.  
Estadão