O transporte clandestino da gasolina
barata da Venezuela para o Brasil, pela fronteira com Roraima, criou no
extremo norte do Brasil uma imensa área sem postos de combustíveis.
Ao longo dos 230 quilômetros da estrada entre a capital Boa Vista e
Pacaraima, última cidade do Estado antes do território venezuelano, não
há um só posto. Também não há revendedores oficiais de combustíveis em
nenhum outro ponto em trechos a pelo menos 200 quilômetros da fronteira.
A razão desse vazio é porque, com um máximo de R$ 25, o brasileiro enche
o tanque de um carro de passeio logo ao entrar na Venezuela, sem
precisar passar pela aduana de lá. País produtor de petróleo, a
Venezuela vende o litro da gasolina a preços que variam de R$ 0,20 a R$
0,50. Em Boa Vista, a capital de Roraima, o litro da gasolina custa R$
2,90. O tanque cheio, dependendo da marca do carro, pode valer até R$
180.
A enorme disparidade de valores fez surgir em Roraima um mercado negro
de venda de gasolina que causa prejuízos mensais de pelo menos R$ 5,8
milhões ao empresariado do setor, de acordo com avaliação do Sindicato
dos Postos de Combustíveis de Roraima (Sindipostos-RR).
Traficantes de combustíveis vão à Venezuela, enchem o tanque,
descarregam a carga do lado brasileiro em galões, retornam ao país
vizinho e abastecem novamente. Repetem a operação dezenas de vezes ao
longo do dia. À noite e de madrugada, a fim de fugir de um eventual
patrulhamento, voltam à capital roraimense para abastecer depósitos
ilegais, onde o litro é vendido por R$ 2.
A soma dos prejuízos aos cofres estadual e federal decorrentes da
sonegação de tributos obrigatórios alcança R$ 1,68 milhão por mês,
especialmente quanto ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços(ICMS), ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
O presidente do Sindipostos-RR, Abel Mesquita Júnior, avalia que os
postos de Roraima deixam de vender, por causa da concorrência da
gasolina venezuelana, algo entre 1,8 milhão e 2 milhões de litros
mensais de combustíveis. E não só gasolina, mas também óleo diesel.
"Acontece em Roraima um quadro inédito no País. Aumenta a frota de
carros e diminui a venda de combustível. Todos os postos do interior, ao
norte da capital, fecharam. Vendemos de 7 milhões a 8 milhões de litros
por mês. Esse número poderia ser 25% maior, não fosse a evasão", diz o
sindicalista.
Pouca fiscalização. O efetivo pequeno da Polícia Rodoviária Federal
(PRF) no Estado de Roraima torna a situação de difícil resolução a curto
prazo. Há 48 servidores na PRF local, dos quais 20 dedicados a
atividades administrativas.
Os demais são divididos em equipes de plantão diário, incumbidas de
patrulhar vastas áreas desertas cortadas por seis rodovias federais e
dezenas de vicinais. A fronteira de Roraima com Venezuela e Guiana se
estende por 1,9 mil quilômetros.
Há dias em que a equipe é formada por apenas dois patrulheiros, por
causa da falta de pessoal. E há dias em que as equipes, pela
precariedade do efetivo, nem vão para a estrada.
Mesmo assim, as apreensões da PRF têm crescido em Roraima. Em 2011,
foram recolhidos 13.890 litros de combustível no trecho da BR-174 entre
Boa Vista e a fronteira com a Venezuela. Este ano, até o início de
dezembro, a soma das apreensões de gasolina já alcança os 23.568 litros.
Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de
Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alísio Vaz, a situação de
Roraima "é tão absurda que fica difícil tentar enquadrar os formiguinhas
(os traficantes que circulam de um lado para o outro da fronteira)".
"Roraima é como se fosse uma área fora do mapa do comércio nacional de
combustíveis. O preço da gasolina na Venezuela é irreal, talvez seja o
mais barato do mundo. Já procuramos as autoridades brasileiras, mas nada
de efetivo aconteceu. Fizemos nosso papel. Esse quadro inviabiliza o
comércio legal", afirma Vaz.
Caroteiros e tanqueiros. Há dois tipos de contrabandistas de
combustíveis em Roraima. Os chamados caroteiros trazem a gasolina em
recipientes plásticos de até 60 litros, galões conhecidos na região como
carotes. Costumam usar carros de passeio e caminhonetes para
transportar a maior quantidade possível de carotes. Chegam a tirar todos
os bancos do veículo a fim de trazer o máximo possível de gasolina.
Os carros usados pelos caroteiros são, geralmente, de marcas antigas,
velozes e espaçosos, como Santana e Monza, por exemplo. Têm vidros
negros, para impedir a visualização da carga. Os caroteiros preferem não
entrar com os recipientes na Venezuela. Optam por deixá-los em
esconderijos na Reserva Indígena São Marcos, atravessada pela BR-174 e
próxima à fronteira. Daí a necessidade de ir e voltar à Venezuela até
ter gasolina suficiente para encher todos os carotes disponíveis.
Já os taqueiros, segundo tipo de contrabandistas, acondicionam a
gasolina em tanques adicionais de caminhões e carros maiores adaptados.
Como os caroteiros, retiram os bancos dos veículos, especialmente os
traseiros, a fim de abrir espaço para os tanques adicionais.
Estadão