O ser humano faminto chega à mesa e pede o primeiro prato, guloso come copiosamente. Arregala-se
na delícia e no tempero sob medida. Engole afiadamente sua bebida sentindo em
cada gole o sabor do líquido que escorrega garganta abaixo. Tudo lhe vai bem. A
comida lhe compraz. Logo, vem o segundo prato. Ele repete da mesma porção. O
mesmo tanto. Tudo outra vez. Esquece que seus olhos já estão maior que o
estômago. Logo encontra a cebola escondida entre a carne. Os temperos, o cheiro
verde. Ele detesta cheiro verde e jamais comeria. Assim, o alimento quase lhe
enoja. Aquilo lhe traz ânsia. Nada pode satisfazê-lo. O prato fica vazio. Ele
estava satisfeito e nem se deu conta. O que lhe resta é cuspir no prato que comeu.
O primeiro
pensamento nos diz que desfazemos aquilo que não suportamos mais. Quando o que
antes nos agradava e hoje já não nos agrada mais, exaltamos os seus defeitos no
lugar de onde antes só admirávamos as qualidades. Enumeramos os defeitos numa
lista que jamais pensemos ficar tão imensa. O que antes víamos com os olhos do
carinho passamos a ver com os olhos da rejeição.
"Cuspir
no prato que comeu" é acreditar que o que era bom não serve mais. Antes é desdenhar aquilo
que nos era importante e como hoje não faz parte da nossa vida, pra quê manter
o luxo de conservá-lo? É uma maneira estúpida de não aceitarmos a perda. Não
somos bons perdedores quando cuspimos no prato que comemos. Antes desenhamos em
nós os sinais da ingratidão.
Cuspir no prato
que comemos é feio. É como se apenas esperássemos o tempo certo para criticar.
É jogar tudo o que foi plantado fora. É querer apagar a parte boa da história
com a ousadia de tentarmos ser melhores que os outros ou maiores que as demais
coisas quando maldizemos ao invés de louvarmos.