Faz tempo que o escândalo de corrupção
na Petrobras serve de combustível para o fogo amigo dentro do PT. No ano
passado, petistas que comandavam o movimento “Volta, Lula” criticaram a
presidente Dilma Rousseff por admitir que aprovara a compra da
refinaria de Pasadena com base num relatório falho. Com o gesto de
sinceridade, Dilma teria levado a crise para dentro do Palácio do
Planalto, segundo seus adversários internos, e demonstrado uma
ingenuidade e um amadorismo capazes de pôr em risco a permanência do
partido no poder. No afã de tirá-la da corrida eleitoral, aliados de
Lula também acusaram a presidente de traição ao responsabilizar a antiga
diretoria da Petrobras, nomeada pelo antecessor, pelos desfalques
bilionários nos cofres da companhia.
Como o “Volta, Lula” não decolava e a
sucessão presidencial se anunciava acirrada, os petistas selaram um
armistício até a eleição. Mas, com Dilma reeleita, retomaram a disputa
fratricida. O motivo é simples: estrelas do PT serão punidas novamente —
agora no petrolão. Resta saber quem pagará a conta. Com as prisões do
mensalão ainda frescas na memória, ninguém está disposto a ir para o
sacrifício.
A tensão decorrente das investigações e
do julgamento do esquema de corrupção na Petrobras colocou em
trincheiras opostas as duas mais importantes lideranças históricas do
PT: Lula e seu ex-ministro José Dirceu. Tão logo os delatores do
petrolão disseram que o exdiretor de Serviços da Petrobras Renato Duque
recolhia propina para o partido, Dirceu, o padrinho político de Duque,
ligou para o Instituto Lula e pediu uma conversa com o ex-presidente. O
objetivo era se dizer à disposição para ajudar os companheiros a rebater
as acusações e azeitar a estratégia de defesa.
Conhecido por deixar soldados feridos
pelo caminho, Lula não ligou de volta. Em vez disso, mandou Paulo
Okamotto, seu fiel escudeiro, telefonar para Dirceu. Assim foi feito.
“Do que você está precisando, Zé?”, questionou Okamotto. Dirceu
interpretou a pergunta como uma tentativa do interlocutor de mercadejar o
seu silêncio. À mágoa com Lula, que o teria abandonado durante o ano em
que passou na cadeia, Dirceu acrescentou pitadas de ira: “Você acha que
vou ligar para pedir alguma coisa? Vocês me abandonaram há tempos”,
respondeu. E fim de papo.
Diretor do Instituto Lula, Okamotto é
frequentemente convocado pelo ex-presidente para cumprir missões
espinhosas. Ele atuou, por exemplo, para impedir que as investigações
sobre o mensalão chegassem ao chefe. Em depoimento ao Ministério Público
Federal (MPF), o empresário Marcos Valério disse ter sido ameaçado de
morte por Okamotto. O recado foi claro: ou Valério se mantinha em
silêncio ou pagaria caro por enredar Lula na trama. O Supremo Tribunal
Federal (STF) condenou Valério, o operador do mensalão, a 37 anos e
cinco meses de prisão. Logo depois de as primeiras penas serem
anunciadas, Valério declarou ao MPF que Lula se beneficiara pessoalmente
do esquema. No mesmo processo, Dirceu foi condenado por corrupção a
sete anos e onze meses de prisão. O petista já deixou a cadeia e, por
decisão da Justiça, cumpre o resto da pena em regime domiciliar. Ao
telefonar a Lula, ele quis deixar claro a necessidade de o governo e o
PT organizarem uma sólida estratégia de defesa no petrolão. A
preocupação tem razão de ser.
Delatores do petrolão disseram às
autoridades que Renato Duque recolhia 3% dos contratos da diretoria de
Serviços da Petrobras para o PT. No âmbito de um acordo de delação
premiada, Pedro Barusco, que era o adjunto de Duque, disse que o
ex-diretor recolheu propina em pelo menos sessenta contratos. Barusco
também implicou o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, na
coleta de dinheiro roubado dos cofres da Petrobras. Outros delatores,
como empreiteiros, afirmaram que a dinheirama surrupiada financiou
campanhas petistas. Há provas fartas contra o partido. É certo que
haverá punições. E é justamente isso que faz a briga interna arder em
fogo alto. Dilma mantém o discurso de que nada tem a ver com a
roubalheira. Executivos nomeados por Lula e demitidos por sua sucessora,
como o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli e o ex-diretor
Nestor Cerveró, não aceitam ser responsabilizados. O mesmo vale para
Dirceu, que não quer correr o risco de voltar à Papuda.