sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

CORTEZ, O INJUSTIÇADO ...

O dia 21 de fevereiro marcou os dez anos de morte do ex-governador Cortez Pereira (1971 a 1975), um dos mais criativos e dinâmicos governantes do Rio Grande do Norte. Convocou para ajudá-lo na tarefa de administrar o estado os melhores quadros técnicos disponíveis na província, provenientes, principalmente, da UFRN. Pensou grande no desenvolvimento do RN, quebrando amarras, desafiando o conservadorismo refratário a ideias novas e criativas, consideradas avançadas demais.

Idealizou e colocou em prática conhecidos projetos: Camarão, Bicho da Seda, Boqueirão (plantação de coco), Vilas Rurais, Bosque dos Namorados e o Centro Administrativo, com a finalidade de centralizar os principais órgãos da gestão estadual, além da importação do gado limonsin, de origem francesa, para melhorar geneticamente o rebanho potiguar, sem descuidar-se das vocações naturais do estado, como as atividades do ramo têxtil, mineral e a agricultura. Transformou-se num mascate anunciando as potencialidades do estado ao empresariado do sul e sudeste do país, de maneira incansável.

Excelente orador, expositor convincente, Cortez Pereira foi o melhor divulgador que o Rio Grande do Norte teve em todos os tempos, na busca do desenvolvimento, sua meta primordial. Era um sonhador, mas com os pés no chão. Criou em seu governo a Empresa de Turismo do Rio Grande do Norte (EMPROTURN) para divulgar e captar recursos junto ao governo federal no sentido de promover o turismo de forma devidamente planejada. Este processo seletivo se transformaria mais tarde no embrião que viabilizaria a Via Costeira polo turístico reconhecido no país e no exterior.
Na gestão pública, como acontece com quase todos os administradores, cometeu erros que foram severamente denunciados na chamada grande imprensa nacional com o rótulo de escândalos, causando-lhe sérios problemas, notadamente junto ao Palácio do Planalto. Por exemplo, uma viagem ao exterior acompanhado de numerosa comitiva oficial em busca de financiamentos externos para alavancar e incrementar o crescimento do Rio Grande do Norte. O fato irritou profundamente o presidente Médici, o mais duro do regime militar.

Outras denúncias, como o famoso escândalo dos sutiãs, divulgado de forma incorreta na imprensa local, embora corrigido posteriormente, causou-lhe grande estrago pela repercussão negativa na grande mídia nacional. Estes fatos minaram suas forças perante o regime que o tinha chancelado como governador. Mas nada impedia sua saga com visão de futuro promissor. Gostava de estimular a criatividade dos secretários endossando projetos bem elaborados com total convicção de êxito.

Na Explanada dos Ministérios, conseguiu num gesto ousado, contestar sugestão infeliz do então ministro da Indústria e Comércio, Pratini de Morais, quando solicitou uma chance para disputar a fábrica de barrilha com Sergipe. O ministro o interrompeu e disse bruscamente:

-Governador, a vocação natural do Rio Grande do Norte é para criar bode.

- Ministro, eu pensei que a revolução tinha sido feita para mudar os costumes de se fazer política neste país com seriedade. Eu venho solicitar ao senhor uma alternativa viável para mudar o destino do meu estado e o senhor me sugere criar bode.

O ministro sentiu que tinha cometido uma gafe e tentou consertar:

- Governador, o senhor me desculpe, eu me expressei mal. Por isso vou dar a chance de disputar a fábrica de barrilha que será construída no Nordeste. 

Era justamente o que Cortez Pereira queria. Assessorado pelo deputado Antônio Florêncio e pelo eficiente secretario de Planejamento do estado, economista Marcos César Formiga Ramos, Cortez reverteu o jogo a favor do estado, numa reviravolta impressionante.

O Rio Grande do Norte se mostrou mais competitivo do que Sergipe devido a suas potencialidades naturais e ganhou a disputa pela fábrica de barrilha que, infelizmente, nunca foi implantada, apesar de todo o maquinário comprado no exterior. As máquinas continuam encaixotadas num flagrante desperdício do dinheiro público. Poderia ter transformado a história do Rio Grande do Norte. Mas valeu a intenção. Fomos derrotados pelas poderosas multinacionais, que sufocaram o sonho de Cortez em fazer do RN um estado realmente grande, desenvolvido industrialmente.

A saga das Vilas Rurais, hoje Serra do Mel 

A seu convite fui cobrir, para o Diário de Natal, o desmatamento de milhares de hectares de mata cerrada onde seriam construídas as Vilas Rurais, um dos maiores projetos de plantio de caju do mundo, através do modelo de colonização observado por Cortez em Israel numa viagem realizada na condição de diretor de Crédito Cooperativo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). O projeto pretendia, também, absorver a mão de obra desempregada das salinas do Rio Grande do Norte, devido à mecanização.

Mais de duzentos tratores de esteira em formação horizontal munidos de possantes correntes, destruindo aquela mata cerrada e provocando um barulho ensurdecedor, anunciavam um novo tempo que haveria de surgir naquela terra desnuda de árvores e outras plantações. Cenas que pareciam o desbravamento do velho oeste americano mostrado em filmes épicos sobre a conquista daquela região, expulsando os nativos e destruindo matas para construção de cidades.

Numa espécie de palanque improvisado, o governador Cortez Pereira, secretários de estado e convidados especiais assistiam a algo inédito pela grandiosidade do embate entre a resistência das árvores robustas e a força destruidora das máquinas, consumindo o que encontravam à frente e obstruindo seu trajeto. Ao final da desocupação da terra, o governador foi cumprimentado pelos presentes e disse: “Agora, vamos plantar aqui o futuro do Rio Grande do Norte”. Tempos depois, as Vilas Rurais seriam transformadas no município de Serra do Mel.

Desconhecemos escolas, praças e ruas com seu nome. Temos a tradição nociva de esquecermos os mortos: “Rei morto, rei posto”. Nada mais cruel do que o sepultamento da memória. O professor Cortez Pereira gostava de citar uma frase que se aplica bem a ele: “Existem pessoas que passam passando e outras que passam ficando.” Cortez passou ficando, mas não se livrou do esquecimento.

Faço aqui um apelo à governadora Rosalba Ciarlini, apelando para seu bom senso: que seja enviado projeto de lei à Assembleia Legislativa denominando o Centro Administrativo de governador Cortez Pereira. Trata-se de um ato de justiça, sem favor nenhum. Simplesmente uma reparação histórica. O resgate do legado deixado por Cortez é imprescindível à história contemporânea do Rio Grande do Norte.
Fonte:Expresso da Noticia